PELAS DORES DESTE MUNDO KYRIE ELEISON www.youtube.com/watch?v=lIGhNbCe0dM&feature=player_embedded

30 abr

Não é qualquer um que tem coragem de dizer, como Voltaire: "eu discordo de voce, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo".

29 abr

A concubina

26 abr

Juízes 19

Juntou as últimas forças
do seu corpo exposto, rasgado e visgoso
e na noite escura, já sem sentir as pedras e as pernas,
Se arrastou pela terra.
Tinha consigo ainda as palavras daquele que lhe falara ao coração.
Tateou no escuro, até achar
(e suas mãos tocaram)
a soleira da porta
Fechada.

Roseli M. Kühnrich de Oliveira
Semana da Páscoa 2011

A Via Láctea, Legião Urbana

26 abr

Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz…
Mas não me diga isso…
Hoje a tristeza
Não é passageira
Hoje fiquei com febre
A tarde inteira
E quando chegar a noite
Cada estrela
Parecerá uma lágrima…
Queria ser como os outros
E rir das desgraças da vida
Ou fingir estar sempre bem
Ver a leveza
Das coisas com humor…
Mas não me diga isso…
É só hoje e isso passa
Só me deixe aqui quieto
Isso passa
Amanhã é um outro dia
Não é?…
Eu nem sei porque
Me sinto assim
Vem de repente um anjo
Triste perto de mim…
E essa febre que não passa
E meu sorriso sem graça
Não me dê atenção
Mas obrigado
Por pensar em mim…
Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz
Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho…
Quando tudo está perdido
Eu me sinto tão sozinho
Quando tudo está perdido
Não quero mais ser
Quem eu sou…
Mas não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado
Por pensar em mim…
Não me diga isso
Não me dê atenção
E obrigado
Por pensar em mim…

Composição : Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Marcelo Bonfá

Professor de psicologia tenta identificar e definir o que sentimos, quando somos excluídos de algo que rola nas redes sociais: FOMO!

19 abr

Sons de pássaros e automóveis na rua que beira minha janela enquanto escrevo. Nos interiores da pequena cidade paulista onde estou, seria óbvio dizer que o progresso técnico e tecnológico avança na velocidade astronômica da luz: lugar algum mais ficará para trás, com a internet, suas redes sociais e apêndices.

Menos óbvia é uma mais recente descoberta psicológica, derivada das novas relações que estabelecemos com os outros e conosco mesmo. Trata-se de Fomo, em inglês , “Feelings of missing out”, algo como “Sentimentos de estar por fora”. Em resumo: sentir-se excluído das divertidas, imensas e também astronômicas possibilidades de entretenimento no mundo moderno.

Ao ler artigo de Jenna Wortham no New York Times do ultimo dia 9, meus olhos saltaram para a tela do computador: Seria um exagero, mais uma dessas descobertas médicas contemporâneas e pós-modernas da psicologia atual, que tentam enxergar, no ser humano e em seu comportamento, doenças de inúmeros e diferentes nomes?

Não sei se mais alguém, mas confesso que apesar de domingo, lá no intimozinho do meu travesseiro, o medo ou a culpa de me arrepender me assombra sempre que saio ou não de casa. É realmente algo da era moderna que se estenda a todos nós?

Pois ter Fomo (ou, melhor, sentir-se com Fomo) tem a ver com lidar com o montante de informações com as quais somos todo dia bombardeados. Isso também é moderno e inegável. Bombardeados, porém ainda vivos. A questão agora é como selecioná-las melhor, excluir as mensagens supérfluas mais rápido, algo que quase nunca conseguimos fazer. O filtro, que também agora é outro, estaria apenas no esforço individual, na força de vontade física e emocional de cada um de nós, no poder de escolha enquanto consumidores de informação?

Segundo Dan Ariely, professor de psicologia da Duke University, diagnosta do novo fenômeno e entrevistado por Jenna, o indivíduo vítima de Fomo é atingido por um sentimento de desapontamento e até rancor. Ele surge quando se frustra a necessidade de sempre saber como, quando, onde (algumas vezes faltando o “porque”) das novidades, das informações, dos acontecimentos, que se encontram nesse playground de possibilidades no mundo digital.

É fácil reconhecer que a descoberta de Ariely apresenta semelhanças com uma interpretação, dada por Slavoj Zizek, a ideia de Lacan: a necessidade obrigatória do gozo, do divertir-se a qualquer custo, a qualquer preço, não importa como.

Talvez apenas os sentimentos possam explicar se isso realmente nos atinge. Nos sentimos obrigados a nos divertir em alguma festa, a estar na rua, a ter a companhia de um amigo, obrigatoriamente as gargalhadas?

A questão que fica é: vivemos genuinamente todos os nossos instantes, ou apenas queremos estar presentes, não ser deixados do lado de fora da janela? Por se sentir obrigatoriamente assim? É uma sensação contraditória, mas comum.

Talvez o Fomo seja apenas mais um dos preços que pagamos, no variado mercado mundial de desejos, para estar inseridos em quase tudo. Um preço alto, quando afeta diretamente a nossa saúde e o modo saudável que interpretamos e vivemos o mundo.

Por Priscila Lourenção, colaboradora de Outras Palavras

MAIS:

Para conhecer melhor FOMO e seu definidor:

http://danariely.com/

Entrevista com Slavoj Zizek:
http://zizek.weebly.com/texto-011.html

”Telecuidadores” ajudam idosos em casa

18 abr

Todas as noites às 17 horas, quando Edward e Lavinia Fitzgerald começam a jantar em sua cozinha em Savannah, Geórgia, eles têm uma convidada. Denise Cady conversa com os Fitzgerald sobre seus vizinhos e eles fazem piadas sobre o tempo. Ela conhece Edward e Lavinia, ambos octogenários, há dois anos. Para o casal, Denise é como uma filha, apesar de eles nunca terem a visto pessoalmente.

A reportagem é de Husna Haq, do The Christian Science Monitor, e reproduzida pelo jornal O Estado de S.Paulo, 18-04-2011.

Denise é uma cuidadora à distância que se comunica com os Fitzgerald todas as noites a 1,5 mil quilômetros de distância, em Lafayette, Indiana. Ela trabalha em uma companhia de cuidados domésticos para idosos e se une ao casal via um monitor de computador que fica próximo à mesa da cozinha.

Graças a duas câmeras e vários detetores de movimento instalados por todo o rancho dos Fitzgerald, Denise pode ver o que há para o jantar, se Fitzgerald deixou o queimador do fogão aceso, há quanto tempo Lavinia está no banheiro e quantas vezes a porta da frente foi aberta e fechada.

Embora possa soar meio “Big Brother” para alguns, o serviço de video monitoramento oferecido pela empresa ResCare significa paz de espírito para Colleen Henry, que começou a tomar conta de sua mãe, Lavinia, anos atrás, quando ela sofreu uma lesão cerebral e, mais recentemente, teve um calcanhar quebrado.

“Ela e meu pai requeriam muito mais cuidado, muito mais do que o tempo que eu dispunha”, diz Colleen, que vive a 8 quilômetros de seus pais e lhes traz o jantar todas as noites. Quando Colleen tomou conhecimento do serviço de monitoramento da ResCare, sentiu “que um sonho se realizava. Estou muito feliz de ter mais um par de olhos.”

Baby boomers

Neste ano, os primeiros dos 78 milhões de baby boomers (a geração nascida na década pós-guerra) atingem a idade de se aposentar, o começo de um chamado “tsunami prateado” que renovará o perfil demográfico dos EUA.

A proporção de pessoas com 65 anos ou mais aumentará de 13% da população para 20% em 2050, segundo o Departamento do Censo dos Estados Unidos. É igualmente importante que uma quantidade maior deles desejará passar seus anos dourados em casa, seja por conveniência ou por desejo de independência.

“A questão do envelhecimento não é mais uma projeção demográfica. Ela está aqui”, diz Joe Coughlin, diretor e fundador do AgeLab no Instituo de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Cambridge. “Existe um mercado à espera, políticas a serem feitas e um estilo de vida a ser inventado hoje – na verdade, ontem”, explica ele.

Coughlin fundou o AgeLab em 1999 para conceber maneiras de melhorar a saúde e a qualidade de vida de idosos. O laboratório, abrigado na Escola de Engenharia do MIT, se inspira em lugares criados pela Nasa.

Entre os equipamentos do AgeLab está o Aware Car (Carro Consciente), um Lincoln MKS com câmeras, monitores e sensores interligados que avaliam o comportamento de um motorista para melhorar a segurança.

Na casa adaptada, a equipe de Coughlin, para monitorar a medicação da mamãe e os óculos do papai, adota a mesma tecnologia que a Nasa usa para monitorar os suprimentos numa estação espacial. Minúsculas etiquetas com frequência de rádio podem ser fixadas nesses itens. Filhos adultos podem monitorar sua localização e uso via internet.

Tome-se o caso da Adaptive Home. A empresa pioneira de monitoramento de cuidados de idosos usa sensores para monitorar a movimentação do idoso por sua casa. Técnicos instalam detetores de movimento por toda a casa de um cliente para dar a filhos adultos um resumo detalhado do dia do idoso.

Os Fitzgerald usam o serviço de atendimento remoto chamado RestAssured, que permite que sua filha mantenha o controle deles. O equipamento inclui câmeras de vídeo, sistemas de áudio e alguns sensores de movimento. Se alguma coisa estiver errada, cuidadores e membros da família são alertados imediatamente.

fonte: IHU

Um Seder para os nossos dias. Moacyr Scliar

17 abr

Esta mesa em torno à qual nos reunimos, esta mesa com as matzót e com as ervas amargas, esta mesa de Pessach com sua toalha imaculada, esta mesa não é uma mesa: é mágica embarcação com a qual navegamos pelas brumas do passado, em busca das memórias de nosso povo.
A esta mesa sentemo-nos, pois.
Somos muitos, nesta noite.
Somos os que estão e os que já foram: somos os pais e os filhos, e somos também os nossos antepassados. Somos um povo inteiro, em torno a esta mesa. Aqui estamos, para celebrar, aqui estamos para dar testemunho.
Dar testemunho é a missão maior do judaísmo. Dar testemunho é distinguir entre a luz e as trevas, entre o justo e o injusto. É relembrar os tempos que passaram para que deles se extraia o presente a sua lição.
Olhemos, pois, a matzá que está sobre a mesa.
Este é o pão da pobreza que comeram os nossos antepassados na terra do Egito. Quem tiver fome – e muitos são os que têm fome, neste mundo em que vivemos – que venha e coma. Quem estiver necessitado – e muitos são os que amargam necessidades, neste mundo em que vivemos – que venha e celebre conosco o Pessach.
É o legado ético de nosso povo, a mensagem contida neste simples alimento, neste pão ázimo que o sustentou no deserto, e o que o vem sustentando ao longo das gerações. É preciso ser justo e solidário, é preciso amparar o fraco e ajudar o desvalido.
O deserto que hoje temos de atravessar não é uma extensão de areia estéril, calcinada pelo sol implacável. É o deserto da desconfiança, da hostilidade, da alienação de seres humanos. Para esta travessia temos de nos munir das reservas morais que o judaísmo acumulou, das poucas e simples verdades que constituem a sabedoria do povo. Ama teu próximo como a ti mesmo. Reparte com ele teu pão. Convida-o para tua mesa. Ajuda-o a atravessar o deserto de sua existência.
Tu me perguntas, meu filho, porque é diferente esta noite de todas as noites. Porque todas as noites comemos chamets e matzá, e esta noite somente matzá. Porque todas as noites comemos verduras diversas, e esta noite somente maror.
Porque molhamos os alimentos duas vezes.
Porque comemos reclinados.
Eu te agradeço, meu filho. Agradeço-te por perguntares. Porque, se me perguntas, não posso esquecer: se indagas, não posso ficar calado. Por tua voz inocente, meu filho, fala a nossa consciência. Tua voz me conduz à verdade.
Por que esta noite é diferente de todas as noites, meu filho?
Porque esta noite lembramos.
Lembramos os que foram escravos no Egito, aqueles sobre cujo dorso estalava o látego do Faraó.
Lembramos a fome, o cansaço, o suor, o sangue, as lágrimas.
Lembramos o desamparo dos oprimidos diante da arrogância dos poderosos.
Lembramos com alívio: é o passado.
Lembramos com tristeza: é o presente.
Ainda existem Faraós. Ainda existem escravos.
Os Faraós modernos já não constróem pirâmides, mas sim estruturas de poder e impérios financeiros. Os Faraós modernos já não usam apenas o látego:submetem corações e mentes mediante técnicas sofisticadas.
Seus escravos se contam aos milhões, neste mundo em que vivemos. São os negros privados de seus direitos, na África do Sul; os poetas que, em Cuba, não podem publicar seus versos; os imigrantes a quem, na Europa, está reservado o trabalho pesado e a hostilidade dos grupos fascistas; os refuseniks soviéticos que clamam por sua identidade; as mulheres e os jovens fanatizados pelo regime do Aiatolá, os prisioneiros políticos do Chile, os famélicos do Sahel e do nordeste brasileiro, as populações indígenas lentamente exterminadas em tantos lugares; os operários explorados e os camponeses sem terra.
Para estes, ainda não chegou o dia da travessia.
Estes ainda não encontraram a sua Terra Prometida.
Para eles, a vida ainda é amarga como o maror.
É a eles também que lembramos nesta noite, meu filho. Com eles repartirmos, em imaginação, o nosso pedaço de matzá.
Não sejas como o ingênuo, que ignora os dramas de seu mundo.
Não sejas como o perverso, que os conhece, mas nada faz para mudar a situação.
Pergunta, meu filho, pergunta tudo o que queres saber – a dúvida é o caminho para o conhecimento.
Mas quando te tornares sábio, procura usar a tua sabedoria em benefício dos outros. Reparte-a, como hoje repartirmos nossa matzá. Segue o conselho de nossos sábios, e lembra a saída do Egito, não só na noite de Pessach, mas todos os dias de tua vida.
Falemos deste povo, então. Falemos dos judeus: pequeno grupo humano que viria a desempenhar um grande papel na história da humanidade.
Um povo inquieto. Um povo que não buscava o repouso, nem para si, nem para os outros povos.
Há cerca de 4000 anos a trajetória deste povo teve início – quando Abraão deixou o seu lugar de origem, na região entre o Tigre e o Eufrates, para ir a Canaan. Pois disse-lhe o Senhor:
“Sai de tua terra, e da terra de tua gente, e da casa de teu pai, e vem para a terra que eu te mostrarei;
Eu farei de ti uma grande nação, e te abençoarei, e farei grande teu nome;e serás uma benção;
E eu abençoarei quem te abençoar, e amaldiçoarei quem te amaldiçoar; e em ti serão todos os povos da terra abençoados.” (Gênesis 12, 1-3)
Mas não cessou com a chegada a Cannan e peregrinação judaica. Povo nômade, os hebreus deslocavam-se constantemente. E por isso não construíram grandes cidades, nem monumentos comparáveis às pirâmides. O que os hebreus levavam consigo, em suas migrações, era a sua tradição, era a palavra do Senhor, da qual eram guardiães; a palavra que deu origem ao livro sagrado, a Bíblia, seu grande legado para a humanidade.
De Abraão nasceu Isaac, de Isaac Jacob, e de Jacob, José e seus irmãos.
José, o vidente; José, que se tornou vizir do Faraó. Com José foram Ter seus ingratos irmãos, quando a fome assaltou as terras de Canann. Na terra de Goshen foram viver, e ali se multiplicaram como as estrelas no céu e os grãos de areia das praias do mar.
Mas então nuvens negras surgem neste céu tranqüilo.
Um novo Faraó reina no Egito; ele teme que os filhos de Israel, agora numerosos, se rebelem contra ele. E decreta: toda criança judia, de sexo masculino, deve ser morta ao nascer.
Mas um menino escapa. O destino poupa-o para ser o libertador de seu povo:é Moisés, que a filha do Faraó salva das águas para dele fazer um príncipe.
Moisés, Príncipe do Egito, Moisés, poderoso entre os poderosos.
Há um instante na vida de cada homem em que ele se vê diante de seu destino. Um instante em que lhe é dado fazer a escolha transcendente, a escolha que será o divisor de águas de sua existência.
Este instante chegou para Moisés. Diante do feitor que espancava cruelmente o escravo judeu, ele não hesitou: tomou o lado do fraco contra o forte, do oprimido contra o opressor. Jogou sua sorte com a sorte pobre, desprotegido povo.
E então que Deus lhe fala.
Não antes do gesto de coragem, mas depois: é como se a divindade só se pudesse revelar depois que Moisés descobriu a si mesmo. Este é o deus de Abraão, o Deus de Isaac, o deus de Jacob; o Deus que fala da sarça ardente, como a indicar que é preciso manter viva a chama da fé e da dignidade. Este Deus estende Sua mão para Moisés, e acena-lhe com a promessa que desde então tem animado a todos os povos: terra e liberdade, liberdade e terra. A doce liberdade, a fértil terra da qual fluiria o leite e o mel.
E então, acompanhado de Arão, que por ele falava, Moisés foi ter com o Faraó e disse: Deixa meu povo sair.
Deixa meu povo sair. Era a primeira vez que ecoava esta frase no reduto do poder, mas não seria a última.
Nas masmorras dos romanos: deixa meu povo sair.
Nos guetos medievais: deixa meu povo sair.
Nas aldeias ameaçadas pelos pogroms: deixa meu povo sair.
Na Alemanha nazista: deixa meu povo sair.
Na Rússia, na Síria, na Etiópia: deixa meu povo sair.
Este apelo desesperado não encontra eco.
A insensibilidade dos poderosos torna-os surdos e cegos.
O sofrimento dos oprimidos clama aos céus.
E os céus respondem com fúria. Mas a divindade poupa a seu povo o ódio.
Minha é a vingança, diz o Senhor. Só Deus pode dosar o castigo do ímpio, de maneira a não pagar injustiça com injustiça. São as forças da natureza que Adonai mobiliza para punir os pecadores; como a sugerir que a própria natureza se revolta contra a iniquidade.
E vêm as pragas.
As águas se transformam em sangue. Feras atacam os homens. Gafanhotos devoram as colheitas. Pestilências ceifam vidas. O granizo cai sobre as plantações. As trevas reinam sobre a Terra. Castigos terríveis, mas que nos soam estranhamente familiares.
Pois hoje, como ontem, seres humanos fazem da natureza palco de luta contra outros seres humanos.
A casa do homem é uma casa dividida. Punhos se erguem ameaçadores, vozes bradam iradas. A ganância e a especulação sobrepujam a solidariedade e a compensação.
E de novo as pragas nos ameaçam.
As águas já não se transformam em sangue, mas nos rios poluídos e nos mares envenenados os peixes bóiam mortos.
As pragas que devoravam as colheitas foram repelidas, mas ficam nos frutos da terra os resíduos dos venenos usados. Indiscriminadamente.
As feras que os homens temiam hoje são pobres criaturas em extinção. Mas o tigre com dentes atômicos faz ouvir o seu rugido, os submarinos nucleares percorrem os mares como sinistros Leviatãs.
Enquanto enormes contingentes humanos vegetam na mais espantosa miséria, há nas metrópoles uma minoria que busca no consumismo desenfreado, no álcool e na droga, a satisfação que jamais encontra.
As trevas reinam sobre a Terra, mas não são as trevas resultantes de um sol eclipsado; são, isto sim, as trevas do obscurantismo, que alimenta o fanatismo e arma o braço do terrorista.
As pestilências de outrora deram lugar às doenças da civilização, igualmente mortíferas; e de outra parte, se perpetuam entre aqueles que não têm acesso às conquistas da medicina.
Dir-se-ia que os homens não aprendem. Que a escalada do erro – e do castigo – não tem fim.
A paciência do Senhor chega a seu término. Decide dar ao faraó a prova definitiva de Seu poder: os primogênitos serão exterminados. Mas pelas portas das casas judaicas, untadas com o sangue do animal sacrificado, a ira do Senhor passará sem se deter. É a Páscoa: a passagem.
Mais uma vez Deus avoca a si o castigo. Pois somente a um desígnio insondável tão espantosa punição pode ser atribuída.
E o Faraó cede. Por fim, o Faraó cede.
Podeis partir, ele diz a Moisés e Arão.
E os judeus partem. Às pressas: o pão que levam sequer pode fermentar. É da matzá que eles agora comerão.
E há razão para a pressa.
Os poderosos não costumam honrar compromissos. Promessas são esquecidas, tratados são rasgados. E os exércitos do Faraó vão no encalço dos fugitivos, surpreendem-nos às margens do Mar Vermelho.
Mais uma vez Deus protege seu povo. Mais uma vez um prodígio da natureza dá testemunho da aliança sagrada.
As águas do mar se abrem diante dos hebreus e se fecham sobre as armadas do Faraó. É o castigo definitivo.
É um castigo, mas não é um ato de ódio.
Pois, conta o Talmud, depois que os judeus atravessaram o Mar Vermelho, entoaram um hino de agradecimento ao senhor – que Ele recusou dizendo:
“Não cantareis enquanto meus outros filhos se afogam”.
A violência? Sim, é permitida, como resposta à violência. Mas não é permitido a ninguém alegrar-se na violência. Ao fim e ao cabo, somos todos irmãos. Mesmo quando um destino trágico nos coloca face a face, armas na mão. Uma lição que vale para o Oriente Médio de nossos dias.
Como se é suficiente. Uma noite é suficiente.
Foi numa noite que Jacob lutou contra o anjo, e, vencendo-o, tornou-se Israel, legando-nos esta lição: que um povo tem de lutar por sua identidade, ainda que desafiando os mensageiros do Senhor.
Foi numa noite que Daniel foi salvo da cova dos leões, mostrando que o justo nada tem a temer, nem mesmo as feras selvagens.
Foi numa noite que o perverso Haman foi condenado e o povo judeu foi salvo.
Porque a justiça brilha na escuridão da noite como a luz do dia.
Sentem-nos, pois, em torno à mesa nesta noite, e tomemos o vinho de Pessach, doce como a liberdade. E falemos da doçura de ser livres; falemos principalmente aos jovens. Sigamos o que diz o nosso Seder: “contarás a teu filho”.
Porque a mensagem de Pessach é dirigida sobretudo às crianças e aos jovens. Como sentinelas na noite, temos de velar por eles, velar para que recebam a mensagem de liberdade.
Pessach é a festa das gerações. É a festa em que os pais falam a seus filhos.
E é por isso que a festa do Pessach é celebrada em família. Não num templo, mas em casa. Em torno a uma mesa, de modo que as pessoas se possam olhar, de modo que o filho possa ouvir do pai o simples, eloqüente relato.
A saga de um pequeno povo de incultos nômades que ensinou a um poderoso império uma lição de justiça e de dignidade.
Esta é a lição que os judeus vem repetindo ao longo de muitos e muitos séculos.
Nos dias esplendorosos do Templo de Jerusalém e nos amargos tempos da dispersão. No Galut e agora, em Israel.
Os prodígios da saída do Egito ficaram reverberando pelos séculos afora.
Se não abrisse o mar, se não nos desse o maná, se não nos desse o Sábado,se não nos desse a Torá – bastar-nos-ia.
O primeiro agradecimento ao Senhor é pela liberdade: se nos tirasse do Egito, bastar-nos-ia.
Todo o resto é conseqüência. O maná, a Lei, a Terra prometida, tudo é decorrência da libertação do povo.
Agora, meu filho, vamos colocar vinho neste copo, e vamos abrir a porta.
Perguntas se estamos esperando alguém.
Sim, esperamos alguém. Esperamos Eliahu Hanavi, o Profeta Elias, o precursor do Messias.
É um hóspede ilustre, aguardado há ‘séculos. Até hoje não veio, e não é certo que nos visite esta noite.
Não tem importância. O importante é que nossa porta esteja aberta. Para o profeta ou para o nosso vizinho; para o Messias ou para o pobre que nos vem pedir um pouco de comida.
Que espiem, os de fora, por estar a porta aberta. Que vejam uma família reunida em torno à mesa, celebrando. Que constatem: eles nada têm a esconder. Eles não praticam rituais secretos, eles não são uma seita misteriosa. São gente como a gente. Os cristãos, os judeus, os muçulmanos, os budistas, somos todos iguais. Nossas festas têm nomes diferentes,ocorrem em datas diferentes, mas no fundo, une-nos a alegria da celebração.
Eu sei, meu filho, que nem todos pensam assim.
E é por isso que a porta precisa ficar aberta.
Para que o profeta Elias venha, anunciando a paz entre os povos.
A travessia do Mar Vermelho não pôs fim aos infortúnios do povo judeu.
Muito teriam eles de vagar, ainda, na desolação do deserto. Foi uma dura prova, a que nem sempre resistiram. Quando mais forte se tornou o assédio da fome e a sede, foram queixar-se a Moisés: tu nos trouxeste ao deserto,
disseram, para que aqui morramos à míngua. E em seu desespero, chegavam a lembrar com saudade os tempos do Egito: éramos escravos, mas tínhamos o que comer.
Como Esaú, estavam dispostos a trocar sua dignidade por um prato de comida.
Deus não os castigou. Ao contrário: deu-lhes o manjar do céu. O Maná, e as tábuas da lei.
Nesta ordem: o alimento e depois o mandamento. A nutrição para o corpo, seguida do dever espiritual. E esta é mais uma lição que o judaísmo, na sua sóbria e milenar sabedoria, nos transmite: não se pode exigir deveres morais de quem tem fome. Os direitos humanos começam pelo simples, e pelo elementar. Os direitos do homem começam por um pedaço de pão, ázimo ou não.
Vejo, meu filho, que encontras o afikoman que escondi.
Muito bem, tens direito a uma recompensa.
O que queres? É uma história, que queres?
Muito bem. Deixa que te conte então uma história muito curta. É a história de um homem e de sua mala. O homem já não vive; a mala, que eu saiba, já não existe.
Mas a mala estava com a família desse homem há muitas gerações. Nesta mala ele colocou todas suas coisas quando, jovem ainda, deixou sua casa, numa aldeia da Rússia czarista, e foi para a Polônia, onde esperava viver. Lá ficou alguns anos, até que teve de fugir de novo, por causa da ameaça de bandos anti-semitas. Pegou a mala e foi para a Alemanha, a civilizada Alemanha, pensando encontrar a paz. Mas o ano era 1939…
Conseguiu fugir para o Brasil, sempre com sua mala.
Trabalhou duro, no comércio; conseguiu juntar alguma coisa e já estava até esquecendo as privações que passara quando, por ocasião dos distúrbios de rua que se seguiram ao suicídio de Getúlio Vargas, sua loja foi depredada.Ficou tão assustado, que decidiu: daí em diante, nunca mais desmanchou a mala. Estava sempre pronto para partir, a qualquer hora do dia e da noite.
Várias vezes pensou que o momento tinha chegado: quando Jânio renunciou, em 1961; quando houve o golpe militar, em 1964, e os policiais prenderam os filhos de seu vizinho. Não chegou a ser necessário. Aparentemente, ele era considerado um homenzinho inofensivo; ninguém se preocupava com ele.No entanto, continuava preparado. Para o Êxodo. Como seus antepassados no Egito, que constantemente evocava.
Uma noite um ladrão entrou na casa e roubou-lhe a mala.
E de repente, ele se deu conta: já não podia mais fugir.
E assim ficou. Até que uma noite o Anjo da Morte veio chamá-lo;
e as pessoas que estavam a seu lado, no quarto do hospital, ouviram-no murmurar baixinho:
Eu não fugi. Eu estou aqui.
Nós estamos aqui. E podemos saborear em paz nosso manjar, nosso afikoman.
Nós o merecemos, como tudo mereceste. Tu, porque o encontraste;
nós, porque nos encontramos.
Chag Sameach, meu filho.

Moacyr Scliar

Síndrome da fadiga crônica: problema começa pela definição

25 mar

Quando 30 anos atrás começaram a aparecer relatos sobre jovens homossexuais sofrendo de formas raras de pneumonia e câncer, os investigadores de saúde pública sofreram para entender o que parecia um distúrbio imunológico mortal: quais eram os sintomas? Quem era mais suscetível? Que tipos de infecções caracterizavam a doença?

Eles estavam atrás da ferramenta mais essencial de um epidemiologista – uma definição de caso correta, um conjunto de critérios que, ao mesmo tempo, incluísse os doentes e excluísse quem não tinha a doença.

No caso da aids, os investigadores logo concluíram que usuários de drogas injetáveis, hemofílicos e outros grupos demográficos também corriam risco, e a definição evoluiu com o passar do tempo, incorporando provas laboratoriais de disfunção imunológica e outras melhorias baseadas nos avanços científicos.

“Se você reconhece que algo está acontecendo, é preciso uma definição de caso para relatá-lo”, afirma Andrew Moss, professor emérito de epidemiologia da Universidade da Califórnia, campus de São Francisco, e um dos primeiros investigadores da aids.

Porém, quando uma enfermidade não tem causa conhecida e seus sintomas são subjetivos, como se dá com a síndrome da fadiga crônica, fibromialgia e outras doenças cujas características e a própria existência foram contestadas, definições de caso conflitantes são praticamente inevitáveis.

Agora, um novo estudo sobre a síndrome da fadiga crônica ressaltou como definições de caso conflitantes podem levar a um “fogo cruzado” epidemiológico – em que o que é visto depende de quem está fazendo a observação – que provocou um debate ardente entre pesquisadores e defensores dos pacientes dos dois lados do Atlântico.

O estudo, publicado mês passado na revista médica “Lancet”, relatava que exercícios e terapia cognitivo-comportamental poderiam ajudar as pessoas com a doença. Defensores e alguns dos principais especialistas rejeitaram as descobertas e afirmaram que o grande problema estava na definição de caso usada pelos autores.

Os cientistas britânicos que conduziram a pesquisa identificaram os participantes no estudo baseados principalmente em um único sintoma: incapacitação e fadiga inexplicável durante pelo menos seis meses. Muitos pesquisadores, porém, particularmente nos Estados Unidos, sustentam que a definição abrange muitos pacientes cuja enfermidade real é depressão, não a síndrome – e a primeira pode muitas vezes ser atenuada com psicoterapia e exercícios.

Os autores da “Lancet” escreveram “sua definição de caso para incluir pessoas com quadros graves de depressão e pacientes que, claramente, sofreram um abalo no sistema imunológico e estão deprimidos porque não podem mais fazer coisas rotineiras”, afirma Andreas Kogelnik, especialista em doenças infecciosas de Mountain View, Califórnia, que atende muitas pessoas portadoras da síndrome da fadiga crônica.

Ao estudar a condição, ele e outros pesquisadores excluíram pacientes cujo único sintoma é fadiga, mesmo que incapacitante, para usar uma definição de caso que inclui outros sintomas cognitivos, neurológicos e fisiológicos. Para eles, tais sintomas indicam uma desordem complexa do sistema imunológico, possivelmente causada por um vírus ou outro agente.

Desde 2009, estudos produziram resultados contraditórios sobre se os vírus relacionados à leucemia em ratos estariam associados à síndrome da fadiga crônica, também conhecida como encefalomielite miálgica. Um estudo recente descobriu que pessoas com a doença têm proteínas diferentes no líquido cefalorraquidiano, criando esperanças de que um teste de diagnóstico possa ser desenvolvido um dia. Nenhuma definição de caso é perfeita; toda doença tem discrepâncias. Entretanto, uma definição ampla ou restrita pode afetar profundamente estatísticas vitais para o planejamento da saúde pública.

Se os pesquisadores filtram suas percepções por diferentes óticas – isto é, definições de caso que produzem estudos populacionais variando em tamanho e características –, é difícil saber se eles estão estudando o mesmo fenômeno, sobrepondo alguns ou pesquisando enfermidades sem qualquer relação.

Determinar se as descobertas de um estudo podem ser extrapoladas para outros pacientes é, no mínimo, complicado.

“É preciso definir características e todos precisam usar os mesmos critérios porque, de outra forma, você chamará algo de maçã e outra pessoa examinará um pêssego e dirá que se trata de uma maçã”, assegura Anita Belman, neurologista da Universidade Stony Brook, Nova York, que pesquisa sobre esclerose múltipla pediátrica.

Ninguém discute que muitas pessoas que sofrem da síndrome da fadiga crônica também têm depressão. A questão é saber qual veio primeiro. Os pacientes ficam deprimidos porque uma doença terrível acabou com suas vidas ou a doença em si é a expressão somática de uma depressão subjacente?

Para pesquisadores que acreditam que a síndrome da fadiga crônica é uma mera condição psicológica, essa distinção pode não parecer importante. Contudo, há implicações profundas para quem está convencido de que se trata de uma doença viral e afirma que a terapia com exercícios aconselhada pelo estudo da “Lancet” pode causar recaídas intensas em pessoas com o problema – afirmação apoiada por pesquisas com pacientes.

A definição de caso com um único sintoma usado pelos autores da “Lancet”, conhecida como critérios de Oxford, foi desenvolvida na Grã-Bretanha em 1991. Da mesma forma que a equipe que conduziu o estudo atual, o grupo de 1991 também incluía destacados profissionais de saúde mental.

Porém, muitos cientistas e clínicos consideram a definição de caso com sintomas múltiplos publicada em 1994 pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, como o padrão internacional.

Além de seis meses de fadiga incapacitante inexplicada, a definição dos CDC requer ao menos quatro de oito sintomas comuns: problemas cognitivos, distúrbios do sono, dor muscular, dor nas articulações, dores de cabeça, linfonodos, dor de garganta e mal-estar após esforço físico, mesmo que o nível de atividade tenha sido mínimo.

Em 2005, os CDC anunciaram uma definição de caso “empírica” recomendando questionários de avaliação específicos e pontuações para medir fadiga, disfunção física e outros sintomas. Os críticos questionaram as novas diretrizes da mesma forma que os critérios de Oxford, argumentando que os questionários e sistemas de pontuação eram muito ambíguos.

Por sua vez, a definição de caso canadense, de 2003, é considerada a mais restritiva e é preferida por muitos pacientes. Ela coloca o mal-estar após esforço numa posição central na doença e exige vários sintomas neurológicos, cognitivos, endócrinos ou imunológicos.

Terapia é mais eficaz do que remédio contra depressão

Em 2009, pesquisadores da Universidade DePaul, Chicago, relataram que 38% dos pacientes de uma amostra de estudo que sofriam apenas de depressão, avaliados segundo as ferramentas dos CDC, receberam o diagnóstico errado de síndrome da fadiga crônica; o mesmo não aconteceu quando foi empregada a mais restrita definição canadense.

O estudo sugere que a “definição de caso empírica” feita pelos CDC “ampliou os critérios de tal forma que indivíduos com doenças puramente psiquiátricas receberão um diagnóstico inapropriado” de síndrome da fadiga crônica, escreveram Leonard Jason, professor de psicologia comunitária na DePaul, e seus colegas.

Os autores também perceberam que usando as novas ferramentas de avaliação, os CDC haviam aumentado enormemente sua estimativa de ocorrência da doença, para 2,5% da população. Então a questão permanece: terapia e exercícios ajudam os pacientes com a síndrome da fadiga crônica, como relatado pelo estudo da “Lancet”?

Sim, aparentemente – se a doença for identificada com uma definição de caso baseada unicamente na fadiga. Mas será que a evidência daquele estudo prova que essas estratégias ajudariam pacientes diagnosticados com síndrome da fadiga crônica usando critérios diferentes? Essa é uma afirmação muito mais difícil de se fazer.

* Por David Tuller
http://www.correiodoestado.com.br/noticias/sindrome-da-fadiga-cronica-problema-comeca-pela-definicao_103628/

Além do bem e do mal

24 mar

A coisa essencial “no céu e na terra” é…que haja uma longa obediência na mesma direção… – surpreendente frase de F. Nietzsche.

Aeróbios e Emagrecimento

23 mar

“Para reduzir a gordura corporal são necessários exercícios aeróbios de baixa intensidade e longa duração”.

Certamente você ouviu esta frase milhares de vezes, porém eu posso lhe garantir que esta é uma das maiores mentiras da nossa história, sendo propagada devido à desinformação, falta de interesse, interpretação equivocada e ausência de senso crítico de alguns profissionais.

A balela de qualidade de vida é outro argumento infundado até mesmo do ponto de visto psicológico, que é onde muitos pseudocientistas tem se refugiado. É incompreensível como uma atividade ineficiente que consuma grande parte de seu tempo disponível possa melhorar a vida de alguém. Não seria preferível elaborar um treinamento eficiente com uma baixa necessidade de tempo e proporcionar mais tempo para se usar com a família, lendo um livro, vendo um filme ou simplesmente descansando?

Com certeza os exercícios aeróbios tem seu espaço, mas este espaço não é tão grande quanto muitos pretendem. Em 1994 TREMBLAY conduziu uma pesquisa no Canadá que ajudou a acabar com o mito de que exercícios aeróbios de baixa intensidade sejam os mais eficientes para perda de gordura. A amostra era composta por indivíduos destreinados divididos em dois grupos.

Um deles se exercitou por 20 semanas, iniciando os treinos a 65% da freqüência cardíaca máxima (FCM) e progredindo para 85%, cada treino durava entre 30 a 45 minutos e era realizado de 3 a 4 vezes por semana. O segundo grupo se exercitou por 15 semanas, executando aquecimento e em seguida 10 a 15 tiros de 15 até 30 segundos ou 4 a 5 tiros de 60 até 90 segundos.

Os intervalos ocorriam até que a freqüência cardíaca chegasse a 120-130 bpm. De acordo com os resultados, o grupo 1 (menos intenso) gastou mais que o dobro de calorias que o grupo 2 (120,4 MJ em comparação com 57,9MJ), porém os indivíduos do segundo grupo obtiveram uma redução no percentual de gordura bem maior que o primeiro. Segundo TREMBLAY, “quando calculamos a quantidade de gordura perdida por caloria, o grupo 2 obteve um resultado nove vezes melhor”.

A conclusão dos autores: “para um dado nível de dispêndio energético, exercícios vigorosos favorecem balanço calórico e balanço de lipídios negativos em proporções maiores que exercícios de intensidade moderada a média. Além disso as adaptações da musculatura esquelética ocorridas como resposta ao treinamento intervalado intenso parecem favorecer o processo metabólico do lipídios.”

Respire fundo e leia com atenção esta frase: “se o objetivo é perder gordura e o tempo for limitado, as pessoas devem se exercitar com segurança nas intensidades mais altas possíveis…” esta foi a conclusão de GREDIAGIN et al (1995) quando submeteram dois grupos a diferentes intensidades de exercício (50% e 80% do VO2 máx, respectivamente), sendo que as atividades eram realizadas até que se chegasse ao total de 300 Kcal.

Ao final do estudo ambos os grupos perderam a mesma quantidade de gordura, porém o grupo que se exercitou intensamente ganhou mais que o dobro de massa magra em relação ao outro. Intensidades mais elevadas parecem influir também no aspecto nutricional, conforme verificado em um estudo de BRYNER et al (1997), onde os exercícios em freqüências cardíacas mais altas resultaram em maior redução da gordura, assim como diminuição da ingestão de gorduras saturadas e colesterol, o que não aconteceu em freqüências cardíacas baixas.

As atividades intensas levam vantagem até mesmo quando compara-se exercícios de mesmo dispêndio calórico total. Nesses casos é verificado que os de maior intensidade proporcionam gasto calórico mais elevado e maior degradação de carboidratos e gorduras após o treino, o que leva a crer que o período pós exercício deve ser levado em conta quando analisamos a eficiência das atividades.(CHAD et al, 1991; SMITH et al, 1993; PACHECO SÁNCHEZ, 1994; PHELAIN et al, 1997, KLAUSEN et al, 1999, LEE et al, 1999 ).

Porém quando relato vantagens relativas aos resultados obtidos com treinos intensos, não devemos nos prender a abordagem mecanicista. Se fossemos usar a matemática linear jamais conseguiríamos entender ou mesmo acreditar nesse fenômeno. Lembre-se que nosso sistema tem características não lineares, podendo responder de forma caótica aos diversos estímulos.

Desta forma, por mais contraditório que pareça, o uso de treinos intensos (que praticamente não usam gorduras) altera os processos metabólicos (não temos certeza de quais estruturas) de modo a favorecer reações a queima de gordura e inibir seu acúmulo.

Considerações finais

As atividades aeróbias certamente tem seu valor, mas não realizam nem a décima parte do que lhe é atribuído. Caminhadas podem ser de grande valia, porém esses casos são exceções. Isto não significa que atividades pouco intensas sejam totalmente ineficientes, a questão é que elas não são “as” mais eficientes.

Especificamente para a redução da gordura corporal as atividades aeróbias de baixa intensidade são, digamos assim, uma prática inadequada. De onde surgiu esta teoria? Pode-se dizer que inicialmente foi da falta de conhecimento e até mesmo o paradigma mecanicista, propagando à medida que os profissionais abstinham-se em questionar o paradigma dominante. Deve-se perder o péssimo hábito de decorar literalmente textos de livros ao invés de analisar criticamente o que está escrito.

Os livros de fisiologia dizem que durante atividades de baixa intensidade a quantidade relativa de gordura utilizada é maior. A palavra destacada diz tudo, é relativa ao total de calorias usadas. Outra causa desta linha de raciocínio é a irritante simplicidade do tipo “se você usou mais gordura durante a atividade então esta atividade perde mais gordura”.

Esta linha também culmina em teorias como: “se você comer gordura, vai ganhar gordura, se comer proteína vai ganhar proteína” e assim vai… Mas muitos se esquecem, ou simplesmente não sabem, o que acontece com o nosso corpo em resposta aos exercícios.

A partir de uma abordagem mais integrativa e complexa, pode-se dizer então que as atividades físicas de maiores intensidades, especialmente os treinos intervalados são extremamente eficazes e recomendáveis para o processo de redução da gordura corporal.

(Nas academias há grande possibilidade de encontrarmos aulas com estas características, tudo depende da qualidade técnica do professor ao seguir os preceitos fisiológicos na elaboração da sua aula, lembre-se que a mesma modalidade pode almejar objetivos diferentes e até mesmo opostos. Algumas modalidades que podem ser úteis são: aulas de spinning, step e lutas, além de treinos intervalados na ergometria).

Referências bibliográficas

BRYNER RW; TOFFLE RC; ULLRICH IH; YEATER RA The effects of exercise intensity on body composition, weight loss, and dietary composition in women. J Am Coll Nutr, 1997 Feb, 16:1, 68-73

CHAD KE; QUIGLEY BM Exercise intensity: effect on postexercise O2 uptake in trained and untrained women J Appl Physiol 1991 Aug;71(2) J Appl Physiol, 1991 Apr, 70:4, 1713-9

FRIEDLANDER AL; CASAZZA GA; HORNING MA; USAJ A; BROOKS GA Endurance training increases fatty acid turnover, but not fat oxidation, in young men. J Appl Physiol, 1999 Jun, 86:6, 2097-105

GREDIAGIN A; CODY M; RUPP J; BENARDOT D; SHERN R Exercise intensity does not effect body composition change in untrained, moderately overfat women. J Am Diet Assoc, 1995 Jun, 95:6, 661-5

KLAUSEN B; TOUBRO S; RANNERIES C; REHFELD JF; HOLST JJ; CHRISTENSEN NJ; ASTRUP A Increased intensity of a single exercise bout stimulates subsequent fat intake. Int J Obes Relat Metab Disord, 1999 Dec, 23:12, 1282-7

LEE YS; HA MS; LEE YJ The effects of various intensities and durations of exercise with and without glucose in milk ingestion on postexercise oxygen consumption. J Sports Med Phys Fitness, 1999 Dec, 39:4, 341-7

PACHECO SÁNCHEZ M; GRUNEWALD KK Body fat deposition: effects of dietary fat and two exercise protocols. J Am Coll Nutr, 1994 Dec, 13:6, 601-7

PHELAIN JF; REINKE E; HARRIS MA; MELBY CL Postexercise energy expenditure and substrate oxidation in young women resulting from exercise bouts of different J Am Coll Nutr, 1997 Apr, 16:2, 140-6

PHILLIPS S.M., “Effect of Training Duration on Substrate Turnover and Oxidation During Exercise,” J. Appl. Physiol. 81.5 (1996) : 2182-2191

RASMUSSEN, B. B. et al., “Effect of Exercise Intensity on Skeletal Muscle Malonyl-CoA and Acetyl-CoA Carboxylase,” J. Appl. Physiol. 83.4 (1997) : 1104-1109.

RASMUSSEN, B. B.,ADRIAN HUTBER C.; WINDER, W. W. Endurance training attenuates the decrease in skeletal muscle malonyl-CoA with exercise.J. Appl. Physiol. 1997 83: 1917-1922

SMITH, J.; MCNAUGHTON, L. “The Effects of Intensity of Exercise and Excess Post-Exercise Oxygen Consumption and Energy Expenditure in Moderately Trained Men and Women,” Eur. J. Appl. Physiol. 67 (1993) : 420-425.

TREMBLAY A; SIMONEAU JA; BOUCHARD C Impact of exercise intensity on body fatness and skeletal muscle metabolism. Metabolism, 1994 Jul, 43:7, 814-8

VAVVAS, D., et al., “Contraction-Induced Changes in Acetyl-CoA Carboxylase and 5′-AMP-Activated Kinase in Skeletal Muscle,” J. Biol. Chem. 272.20 (1997) :

Prof. Paulo Gentil
Presidente do GEASE

Fonte:
GEASE – Grupo de Estudos Avançados em Saúde e Exercício
http://www.educacaofisica.org