Filme “Homens e Deuses” O amor é mais forte do que a morte

8 jul

O contrário do medo não é a coragem, mas sim a fé. Dirigido pelo diretor francês Xavier Beauvois e escrito por ele e Etienne Comar, também produtor do filme, “Homens e Deuses” é baseado na história real de nove monges franceses, sete dos quais foram seqüestrados e assassinados na Argélia em 1996. O episódio é um dos pontos culminantes das atrocidades que aconteceram naquele país africano, resultado do confronto entre o governo e os grupos extremistas que queriam tomar o poder. Destacam-se a fotografia e o ótimo elenco, com Lambert Wilson (Pe. Christian – prior da Comunidade) e Michael Lonsdale (Ir. Luc – médico), entre outros.
O filme cobre um período que vai de 1993 a 1996, e mostra o cotidiano dos monges do Mosteiro Trapista de Atlas, fundado na década de 60, numa remota localidade no norte da Argélia, próximo a cidade de Tibhirine. O prior da comunidade, Pe. Christian de Chergé, foi uma figura muito carismática, eminente arabista e islamista. Os monges criaram no local uma vida de grande convivência com os vizinhos muçulmanos, trabalhando com estes e atendendo às suas necessidades médicas básicas. O longa-metragem mostra ainda o interesse da comunidade monástica pela espiritualidade do islã porque, sendo católicos, acreditavam que o mistério de Deus poderia também ser tocado no povo desta religião.
Embora a convivência entre monges e comunidade local fosse muito boa, a tranqüilidade daqueles começa a entrar em xeque na década de 90, quando é iniciada uma disputa entre diversas facções políticas na Argélia: governo, socialistas, muçulmanos e extremistas, conflito que culminou com o assassinato, em 1993, de um grupo de trabalhadores europeus (croatas).
É então que começa o drama do filme: se os monges devem ficar e aceitar um possível martírio ou se devem voltar para a França. Os monges, que prestavam assistência à população pobre, passam a defendê-la ostensivamente dos abusos de que eram vítimas. Colocam-se em rota de colisão tanto contra os radicais como contra o governo, que tenta repatriá-los para evitar problemas diplomáticos. Talvez devido em parte ao drama pessoal de cada monge sobre ficar ou partir, discernir e aceitar a vontade de Deus, decorre que, de certa forma, “Homens e Deuses” seja um filme de espera. Os monges estão ameaçados, recusam-se a abandonar o país e também não querem proteção do Exército, o que os afastaria da população. Beauvois explora esse clima de ansiedade, esperança e misticismo, que expõe algumas divisões no interior do mosteiro. Alguns deles querem partir; a maioria quer ficar. Querer ou dever? É o sentido do dever que se impõe entre eles. Um dever que nada tem de abstrato, mas que é sustentado por uma crença e ética definidas: a estabilidade monástica e a própria vocação religiosa de cada monge. O pano de fundo é o medo e o seu oposto: a fé.
O filme é também, em grande parte, sobre a história da conversão de Christian, que começa como uma figura um pouco autoritária e individualista: no início do filme quando ocorre o referido assassinato dos trabalhadores europeus, o exército quer montar guarda junto ao mosteiro, para protegê-los. Sem consultar a comunidade, o prior toma a decisão de que isto não convém, pois iria afastar o povo local do mosteiro. Então ocorre uma reunião dos monges (capítulo) e estes dizem ao prior que não o elegeram para tomar sozinho todas as decisões. Este é o grande desafio de um superior religioso: como seguir a luz da própria consciência e ao mesmo tempo ser aberto e ser sensível à intuição de cada um. Com o desenrolar do filme o prior aprende que só quando todos os irmãos estiverem de acordo é que será possível tomar uma decisão. Admira, nesse papel, o seu modo de aos poucos se colocar cada vez mais à escuta dos seus irmãos monges, particularmente nos momentos difíceis. Ele não quer impor. Ele está à escuta. Sente-se que ele tem pleno respeito pelos monges. Vê-se o pastor e a sua preocupação de se abrir a Deus, para se deixar trabalhar por Deus e ter a reação certa perante os irmãos monges. Em todo o filme, vê-se essa abertura a Deus; ele se interroga e se deixa influenciar por Ele. Isso é próprio do monástico. No momento de maior discernimento e dúvidas na comunidade é interessante ver a imagem do prior caminhando no campo junto a um rebanho e seus pastores muçulmanos.
Um dos ápices da trama é a “última ceia”, ao som de “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, quando o diretor fecha um close em cada ator, em seus rostos, e já podemos encontrar o sinal de um desfecho nada feliz que culminará com o seqüestro e morte de sete dos nove monges em 21 de maio de 1996.
O filme é capaz de comover tanto aos crentes quanto aos agnósticos, por enaltecer homens que se comportam com determinação até o fim, em nome daquilo que acreditam; humano é preservar a vida a qualquer custo, e por isso as perguntas surgem no interior do grupo: não deveríamos nos guardar para que possamos ser úteis no futuro ao nosso semelhante e à nossa fé? Mas divino é ir além das justas dúvidas e prosseguir seu caminho. A fé no transcendente é poderosa aliada, ao apontar a transitoriedade da vida terrena, quase insignificante diante da eternidade.

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